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O senhor Isidoro agarrou-a pelos ombros e fê-la sentar-se.
— Seca as tuas lágrimas, Djuku. Diz-nos o que te aconteceu.
Aconteceu então o seguinte. Djuku, que já havia retomado o fôlego, começou a contar e os objectos que estavam há tanto tempo dentro dela saíram da sua boca para virem, à vez, pontuar o seu discurso: a partida da aldeia, a viagem, a chegada à cidade e à BARRIGA DA BALEIA, o trabalho e a sua grande solidão. Os clientes e o senhor Isidoro apanhavam os objectos à medida que eles surgiam.
A velha guitarra de Quecuto saiu do seu corpo com os perfumes das músicas tantas vezes ouvidas, e um cliente apanhou-a para a tocar.
A palmeira inclinada e o embondeiro do lago saíram do seu corpo e um cliente pegou neles e foi pô-los junto à entrada do restaurante.
O caldeirão do Nhô-Nhô saiu do seu corpo e um cliente colocou-o no meio da sala.
A casa de Pepito saiu do seu corpo e os clientes apossaram-se dela para arrumar a sala.
A barca e as redes de pesca de Benvindo saíram do seu corpo e os clientes colocaram-nas à sombra do embondeiro.
Sim, logo em seguida Djuku sentiu-se aliviada e em paz. Viu as coisas que estavam nela firmemente atadas como carga de um navio partilhadas por todos. Percebeu imediatamente que a aldeia tinha desposado o restaurante.
Agora toda a gente conhecia a história de Djuku.
— Não podemos ficar aqui! — disse alguém.
— É preciso festejar isto — disse um outro — como na aldeia!
Nota ao leitor
Depois deste famoso dia, a divisória que separava a cozinha da sala do restaurante foi derrubada pelo senhor Isidoro com as suas próprias mãos.
Leitor, se tiveres vontade de ir à BARRIGA DA BALEIA para saborear os melhores pratos que existem, não deixes de trocar dois dedos de conversa com Djuku, agora que ela cozinha no meio de todos. E já agora, por favor, pede-lhe da minha parte notícias da aldeia.
Alain Corbel
A viagem de Djuku
Lisboa, Caminho, 2003
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