sexta-feira, 25 de maio de 2012

aguardo uma outra estação



primavera primeira


estremeço desde o princípio do meu rosto
desde o momento em que sorri e me sorriram
e é nesse lugar ínfimo que suspendo todas as palavras
que fecho os olhos e sinto a frescura de todas as águas
o oceano que cessa e atende o esvoaçar da primavera

é a primeira primavera de todos os outonos
é aqui que em silêncio se bordam os calendários
dias entre dias e sobre dias e as memórias que escapam
e não mais se alcançam se não nos tornamos menores
- no futuro não há esquecimento nem segredos
cada coração guarda apenas o que for mais comum

Vasco Gato, Um Mover de Mão, Assírio & Alvim

img. María Wernicke

sábado, 19 de maio de 2012

toque e foge

confesso que andado zangada com o Sérgio Godinho depois de o ver metido nesta palhaçada, mas o vídeo que a Rita Sá fez para a Bomba-Relógio é bem bom e merece que eu me distraia por um pouco do autor da canção, para o mostrar o trabalho dela aqui:



sábado, 12 de maio de 2012

acima dos pássaros






hei-de sempre recordar uma noite de verão na tenda de Braço de Prata, num dos momentos mais bonitos em que me lembro de o ouvir tocar, no encerramento de um encontro organizado pelo Miguel Portas.
onda negra, a destas últimas semanas!

segunda-feira, 7 de maio de 2012

lustro do dia: as coisas





as coisas. não poderia imaginar melhor maneira de me conciliar hoje com o mundo.
a chuva já não mora aqui.

domingo, 22 de abril de 2012

a terra toda



Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...
Alberto Caeiro
img. Andrei Tarkovsky 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

(des)orientação


Houvesse um sinal a conduzir-nos
E unicamente ao movimento de crescer nos guiasse. Termos das árvores
A incomparável paciência de procurar o alto
A verde bondade de permanecer
E orientar os pássaros

Daniel Faria
Explicação das árvores e outros animais
1998

domingo, 15 de abril de 2012

domingos assim

 


Chove…
Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu? 

Chove…
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira
img. Klaas Verplancke

quinta-feira, 12 de abril de 2012

quarta-feira, 4 de abril de 2012

um filme cosido à mão e com cheiro









O Sapateiro
realizado por David Doutel e Vasco Sá 
(Monstra - Melhor Filme Português /SPA Vasco Granja)
 + aqui

segunda-feira, 2 de abril de 2012

era uma vez

 
 
 
 
Era uma vez um conto que contava o mundo inteiro

Era uma vez um conto que contava o mundo inteiro. Na verdade não era só um, mas muitos os contos que enchiam o mundo com as suas histórias de meninas desobedientes e lobos sedutores, de sapatinhos de cristal e príncipes apaixonados, de gatos astutos e soldadinhos de chumbo, de gigantes bonacheirões e fábricas de chocolate. Encheram o mundo de palavras, de inteligência, de imagens, de personagens extraordinárias. Permitiram risos, encantos e convívios. Carregaram-no de significado. E desde então os contos continuam a multiplicar-se para nos dizerem mil e uma vezes: “Era uma vez um conto que contava o mundo inteiro…”

Quando lemos, contamos ou ouvimos contos, cultivamos a imaginação, como se fosse necessário dar-lhe treino para a mantermos em forma. Um dia, sem que o saibamos certamente, uma dessas histórias entrará na nossa vida para arranjar soluções originais para os obstáculos que se nos coloquem no caminho.

Quando lemos, contamos ou ouvimos contos em voz alta, estamos a repetir um ritual muito antigo que cumpriu um papel fundamental na história da civilização: construir uma comunidade. À volta dos contos reuniram-se as culturas, as épocas e as gerações, para nos dizerem que japoneses, alemães e mexicanos são um só; como um só são os que viveram no século XVII e nós mesmos, que lemos um conto na Internet; e os avós, os pais e os filhos. Os contos chegam iguais aos seres humanos, apesar das nossas grandes diferenças, porque no fundo todos somos os seus protagonistas.

Ao contrário dos organismos vivos, que nascem, reproduzem-se e morrem, os contos são fecundos e imortais, em especial os da tradição oral, que se adequam às circunstâncias e ao contexto do momento em que são contados ou rescritos. E são contos que nos tornam seus autores quando os recontamos ou ouvimos.

E também era uma vez um país cheio de mitos, contos e lendas que viajaram durante séculos, de boca em boca, para mostrar a sua ideia de criação, para narrar a sua história, para oferecer a sua riqueza cultural, para aguçar a curiosidade e levar sorrisos aos lábios. Era igualmente um país onde poucos habitantes tinham acesso aos livros. Mas isso é uma história que já começou a mudar. Hoje os contos estão a chegar cada vez mais aos lugares distantes do meu país, o México. E, ao encontrarem os seus leitores, estão a cumprir o seu papel de criar comunidades, de criar famílias e de criar indivíduos com maior possibilidade de serem felizes.

Francisco Hinojosa (trad. Maria Carlos Loureiro)
cartaz da Yara Kono

domingo, 25 de março de 2012

100 livros para o futuro





 É uma lista de cem títulos editados em Portugal entre 2010 e 2012, onde figuram maioritariamente álbuns (ou picture books), dada a representatividade da ilustração na Feira do Livro Infantil de Bolonha.
encontrem-na aqui e ofereçam lustro de ilustradores e escritores portugueses até se cansarem.

img. Esboço para o stand de Portugal na Feira do Livro Infantil de Bolonha, concebido pelos arquitectos Pedro Cabrito e Isabel Diniz.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Un poème c’est bien peu de chose


  L´ instant fatal

Un poème c’est bien peu de chose
à peine plus qu’un cyclone aux Antilles
qu’un typhon dans la mer de Chine
un tremblement de terre à Formose
Une inondation du Yang Tse Kiang
ça vous noie cent mille Chinois d’un seul coup
vlan
ça ne fait même pas le sujet d’un poème
Bien peu de chose
On s’amuse bien dans notre petit village
on va bâtir une nouvelle école
on va élire un nouveau maire et changer les jours de marché
on était au centre du monde on se trouve maintenant
près du fleuve océan qui ronge l’horizon
Un poème c’est bien peu de chose.

Raymond Queneau
(img. Marie Sechtlova)

sábado, 10 de março de 2012

Moebius (1938-2012)



"Tenho dois pólos, dois gestos. Quando estou na pele de Moebius, tento fugir do meu 'eu', desenho em estado de transe". Jean Giraud (Moebius)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

livros que voam nos óscares





The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore, a história de um homem que gosta de palavras, histórias e livros, premiado com o óscar da melhor curta de animação.


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

cartografias

Vencedor da categoria Ficção, Bolonha 2012
LE SECRET D’ORBAE
Texto e ilustração: François Place




sábado, 18 de fevereiro de 2012

lustro do dia: Liam Stevens








(Music video for the acoustic version of "Waiting" by My Robot Friend (featuring Jay Kauffman)
This stop motion animation is made entirely of pencil & cut paper and took just over three months)

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Wislawa Szymborska (1923-2012)




Possibilidades

Prefiro cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos nas margens do Warta.
Prefiro Dickens a Doistoievski.
Prefiro-me gostando dos homens
em vez de estar amando a humanidade.
Prefiro ter uma agulha preparada com a linha.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não afirmar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as excepções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar com os médicos sobre outra coisa.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrever.
No amor prefiro os aniversários não redondos
para serem comemorados cada dia.
Prefiro os moralistas,
que não prometem nada.
Prefiro a bondade esperta à bondade ingénua demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos países conquistadores.
Prefiro ter abjecções.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro contos de fada de Grimm às manchetes de jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães com o rabo não cortado.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que aqui não disse,
e outras tantas não mencionadas aqui.
Prefiro os zeros à solta
a tê-los numa fila junto ao algarismo.
Prefiro o tempo do insecto ao tempo das estrelas.
Prefiro isolar.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro levar em consideração até a possibilidade
do ser ter a sua razão.


Wislawa Szymborska, in "Rosa do Mundo", Assírio & Alvim