quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A Viagem de Djuku (capítulos 5 e 6)


5

Se alguma coisa atraiu a atenção do senhor Isidoro foram as mãos de Djuku. Aliás, ao longo dos vários meses que Djuku passou a trabalhar na BARRIGA DA BALEIA, as coisas resumiam-se a isto: para ele e para os clientes habituais do restaurante, Djuku não era mais que duas mãos, uma esquerda genial, uma direita fabulosa.
Convém saber que, durante o dia, Djuku não aparecia na sala do restaurante, e como ela vinha trabalhar de manhã cedo, só saindo muito depois do fecho, ninguém sabia ao certo quem ela era, como ela era. Só as suas mãos eram conhecidas do «público».
É que era um espectáculo, como dizer, real, ver aquelas mãos elevando um prato através da abertura que separa a cozinha da sala do restaurante. Djuku, numa palavra atirada ao criado de servir, anunciava o prato, mas a sua voz é demasiado doce para ser ouvida. Em palco estavam apenas as suas mãos.
Os clientes que pediam, fosse um qualulu, fosse uma galinha com molho de amendoins, passavam os minutos seguintes de olhos postos na abertura. Não eram poucos aqueles, mais nervosos, que chegavam a roer as unhas.
— Deviam ter pedido também uma entrada — aconselhava-os sempre o senhor Isidoro.
As mãos de Djuku são as suas ferramentas e o seu tesouro. Não serão o que podemos chamar belas: a palma é larga, os dedos finos de tamanho médio e bem assentes, as unhas compridas tratadas. A pele neste lugar do corpo parece um pergaminho e, no caso dela, é riscado por pequenas cicatrizes (talvez o preço de uma distracção no momento da aprendizagem).
É mesmo a graça dos seus gestos, a agilidade, o que encanta os clientes da BARRIGA DA BALEIA. As mãos dançam ao redor dos pratos até ao momento da entrega. Acontece às vezes descansarem na borda da abertura. Estarão a contemplar, satisfeitas, a vida ruidosa da sala do restaurante? Ou será que esperam alguém ou alguma coisa? É difícil saber. Elas partem sempre de súbito, saltitantes, para se agitarem ao redor dos fogões.

6

— Uau, este frio gela-me as mãos e o senhor Isidoro que nunca mais vem! Deve estar na cama, tudo lhe serve de pretexto para se lá meter! — constata Djuku divertida ao abrir as portas da BARRIGA DA BALEIA.
Não que precise do seu patrão para pôr em andamento a cozinha, ela já conhece o ritual. De imediato, deita mãos ao trabalho, pois tem muito que fazer. Acende os fornos, tira os alimentos da arca congeladora, e logo os seus dedos se afadigam, descascam legumes, amassam as pastas, preparam os caldos, confeccionam as sobremesas. Durante toda a manhã, Djuku não terá um minuto de descanso, mas assim que, aí pelo meio-dia, chegarem os primeiros clientes, tudo estará pronto. Nestas alturas, a aldeia está em bem longe. Djuku nem sonha.
Ao meio-dia dispara o tiro de partida! Todos os clientes afluem para almoçar. A confusão ameaça. Mas a comandante Djuku está ao leme e a BARRIGA DA BALEIA não aderna e continua a sua rota.
Segue-se a calma da tarde. Djuku conta com um repouso bem merecido. Mas, com cada vez mais frequência, é assaltada por antigas imagens, incómodas como crianças turbulentas mantidas demasiado tempo à mesa e que têm necessidade de esticar as pernas.
«Antes», pensa, «todos sabiam quem era Djuku, agora eu sou uma sombra que passa, que vai para o trabalho de manhã e que regressa à noite. Aqui ninguém me conhece, sou uma sombra sem história.»
Olha à sua volta e o que vê fá-la sorrir: ela imagina a aldeia, a savana, os campos de arroz, o sol quente na sua pequena cozinha!
«Por que raio não será isso possível? Um dia», pensa, «será preciso que o que eu vivi se case com o que eu vivo, que o restaurante fique noivo da aldeia.»
Uma ideia engraçada que a fez, primeiro, rir e, depois, chorar.


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